Sou um quartel. Em mim habitam soldados
pacifistas e inconformados
que a meu comando, conquanto de malgrado,
confrontarão, de peito aberto, a morte
e igualmente a meu comando me perdoarão.
Sou um cemitério. Em mim jazem os restos mortais de crianças mal-amadas.
Em noites de muito vento escuta-se o lamento dessas almas deserdadas.
Sou um convento em ruínas em que vagueiam vultos;
silenciosas sombras, cujos passos se chocam
de encontro a milenares muros cujas pedras são revestidas de fungo.
Sou uma enfermaria infestada de doenças sem cura
e assombrada por um módico de esperança insegura.
Sob toda esta pedra, todos estes passos,
sob esta terra e toda ruína flui um rio caudaloso
que corre, sombrio e pressuroso, engolindo pedra, galho, cascalho,
fuzis, olhos de crianças, soldados abatidos,
sonhos abortados e um número infinito
de microorganismos.
Sou um rio caudaloso. Em mim habita um rio.
Sou Um Rio
Published inPortuguês

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